Publicidade e Estética nos bairros de Maputo
Maputo, cidade das acácias
Em quase todas as artérias desta cidade, tem-se notado o afluente crescimento de barracas e outdoors coloridos, com tons vibrantes e cores quentes, típicos das temperaturas de Maputo, também elas vibrantes e quentes.
Essas barracas exalam palavras de propaganda que trabalham no nosso subconsciente. Esses outdoors embalam o nosso olhar e a mente com tanta admiração, pelas suas proporções gigantescas. Comunicam-nos um produto “betumado” de muita cor e fontes tipográficas que prendem a atenção de quem os observa, suscitando o espírito curioso de querer ver, ler e saber mais. São tão bem trabalhados, com grandes superproduções em termos de qualidade gráfica e efeitos visuais, que nos cativam durante a nossa trajectória, seja ela rápida ou até lenta, ou quando estamos no congestionamento.
Verdadeiramente, não nos cansamos de os observar. A cada dia parecem-nos maravilhosos, para não dizer miraculosos. (Caso da publicidade da Toyota, da Ronil Auto, em que um carro achava-se pendurado num prédio de quase vinte andares, dando a pura sensação de que estava em plena marcha na lateral direita do edifício.)
Imagem: CFAO Mobility
Contudo, este artigo quer olhar além do impacto imediato. Deseja questionar: como comunicar com força, mas sem ferir a paisagem urbana? Como podemos significar sem agredir o consumidor?
“As cores afectam a nossa razão e emoção”
E não só a cor. Também a tipografia escolhida, o logotipo que se repete até à exaustão, as imagens de modelos idealizados, as texturas gráficas sobrepostas aos muros de vedação, todos esses elementos fazem parte de uma linguagem visual que merece ser observada com mais cuidado.
Da parede bruta à tela comercial
No início, os muros eram espaço de resistência simbólica. Os murais da era pós-independência, pintados em escolas e praças, narravam histórias colectivas de luta e esperança.
Imagem: The Africa Image Library
Lentamente, esse espaço começou a ser ocupado por marcas, primeiro com campanhas de cerveja nos anos 90 e, mais recentemente, por operadoras de telefonia móvel, canais televisivos, marcas de higiene pessoal, casas de apostas e vendedores de eletrodomésticos.
Imagem: Quézia Sengo/Pappirus Estúdio Criativo
Essas marcas encontraram nos muros um canal de visibilidade constante. Utilizam cores gritantes, fontes em caixa alta, logótipos robustos, padrões texturizados e, muitas vezes, imagens de grande contraste. Não é raro ver o mesmo muro servir de suporte a diferentes marcas ao longo do ano, cada uma apagando a anterior, como se sobre um mesmo corpo se colassem múltiplas peles.
Imagem: Quézia Sengo/Pappirus Estúdio Criativo
Este fenómeno não é apenas publicitário, é cultural, urbanístico e estético. Em vez de nos oferecer uma experiência visual rica e humanizada, muitas dessas intervenções tornam-se meras repetições sem critério de composição.
A cor, quando usada sem sensibilidade, pode cansar em vez de encantar.
A tipografia, se pensada apenas para chamar atenção, perde legibilidade e sofisticação.
Imagem: Quézia Sengo/Pappirus Estúdio Criativo
Os logótipos, quando aplicados de forma massiva e descontextualizada, deixam de ser identidade e tornam-se ruído.
As imagens podem perpetuar estereótipos ou sugerir padrões de consumo inalcançáveis.
A textura gráfica, aplicada mecanicamente, elimina a rugosidade própria da cidade.
Resultado: os muros perdem alma. Deixam de contar a história do bairro para contar a história do mercado.
Imagem: Quézia Sengo/Pappirus Estúdio Criativo
Nem tudo, felizmente, é ruído. Algumas marcas e organizações têm compreendido a importância de habitar o espaço urbano com mais empatia visual. Em vários bairros periféricos e urbanos de Maputo, têm surgido iniciativas de murais artísticos patrocinados por marcas locais ou com apoio de financiamento externo. Nestes casos, os muros tornam-se espaços de diálogo entre arte e produto, entre estética e função, entre identidade e consumo.
Imagem: O País
Ao envolverem artistas locais, estas campanhas transcendem o marketing tradicional e entram no território da cocriação. A marca passa a ser uma presença subtil, integrada à narrativa visual, e não apenas um bloco de cor e texto.
Esta abordagem aponta para uma via possível: a publicidade como parte da cultura visual urbana, e não em oposição a ela.
A cidade é uma galeria viva. O designer, o publicitário, o cliente e até o dono do muro partilham a responsabilidade de moldar o que vemos. Maputo, com o seu calor cromático e sua linguagem própria, pode continuar a ser vibrante, mas com harmonia. O futuro da comunicação urbana está em saber equilibrar impacto e respeito, visibilidade e contexto.
Autor: Azarias Hele – Senior Designer & Art Director